quarta-feira, 25 de novembro de 2015

eu sei o potencial de cura quando falamos das nossas cicatrizes. esses dias tem sido especialmente terapêuticos pro coletivo de mulheres e outras pessoas afetadas diretamente pelo machismo em função desses relatos constantes. essa exposição dolorosa de retratos reais, sem retoque. confesso que me senti tão mal quando essa onda começou. "deu, eu já sei que o mundo é horrível." mas saber nunca é o suficiente. a gente tem que sentir junto. e às vezes relembrar a própria dor pra dar voz a outras cicatrizes mudas que ainda são escondidas por vergonha, medo, culpa. tanto (res)sentimento arranhando a garganta, sufocando nossa vida aos pouquinhos, arrastando nossos passos. é um cansaço crônico de milhares de anos de violência. não vai ser fácil de tratar, mas a gente tem que começar por algum lugar... eu vou pra minha primeira cicatriz. daquelas que a gente nem nota mais quando olha pro próprio corpo. quase um umbigo. eu tinha quatro anos. fui com a minha mãe na casa dos nossos vizinhos. a vizinha tinha um filho de oito anos e eu fui brincar com ele no quarto. tudo muito vago na minha memória, até chegar essa parte aqui: ele diz pra eu deitar de bruços na cama dele. ele se deita por cima, segura meus dois braços e pergunta se eu estou sentindo alguma coisa. eu peço pra ele sair, digo que vou gritar. ele diz que se eu fizer qualquer coisa, conta tudo pra minha mãe. eu nunca falei nada pra ela - até hoje. os silêncios precisam ser quebrados.

Nenhum comentário: