quinta-feira, 12 de março de 2009

Quão longe?

Tudo tem limite.
TUDO.

Não exista quem espere pra sempre, não existe sentimento que não se desgaste, não existe eternidade. Então, se essa efemeridade é lei, porque teimamos em levar tudo adiante, como se pudéssemos resgatar o passado em alguma curva da vida?
Apego, saudade, nostalgia, carência.
Tem muitas explicações. Mas explicar não justifica.


No fim, quem consegue aceitar o passar do tempo, vive mais.
Quem quer viver o "pra sempre" se perde nas perdas.

terça-feira, 10 de março de 2009

Do fundinho do baú

Fui fazer faxina nos e-mails e descobri um conto que eu escrevi com 14 anos.
Da onde diabos eu tirei tanta melancolia com essa idade, eu não sei.
o.O

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Cinza

Levantou e pela janela a luz amarela envelhecia o quarto e seu rosto. E nada lhe parecia tão novo àquela altura. A noite já havia se posto sobre uma cidade inteira e poucos vestígios de vida rompiam o silêncio. Que segredos e medos se escondiam naquelas janelas escuras? Talvez estivessem todos ali, silenciosamente esperando um novo dia chegar, a contemplar da janela a cidade vazia. E ali tudo existia de alguma forma. E ele se perguntava o que fazer se um dia perdesse o motivo ou a razão. Atrás da caravana vai aquele que quer, mas também o que não tem escolha. Já lhe falaram certa vez que rir demais é desespero e naquele instante ele viu que o choro é mais próximo da felicidade do que ele próprio imaginara. O vento tomou pelos braços uma folha e a fez tocar o chão suavemente e beber da água da chuva que caía.Já haviam se passado duas horas, e nada tinha mudado, nem a posição dos cotovelos contra a esquadria da janela, nem a paisagem inerte das árvores lá fora, nada lhe dava razão para seguir a fitar as ruas semi-iluminadas pelo céu grafite, mas ainda assim ele não se rendia. Aos poucos as estrelas abandonavam o céu e o sono pesava as pálpebras, mas seus braços estavam seguros ali e decidiu passar o tempo que houvesse apreciando o nada que lhe fazia mais sentido. Quando soam as buzinas declarando o fim do marasmo matinal, a vida ganha o tom cinza de sempre: as mesmas pessoas, a mesma pressa, a mesma impessoalidade. Cada um na sua bolha, e ele fora da cama, da bolha e da vida. Mas "quem escolhe seu próprio caminho resolve sozinho os próprios problemas". Foi a única conclusão da madrugada. Aquele dia se passou com rapidez surpreendente e ele dormiu mais noites estreladas, e noites chuvosas, e noites frias e quentes até voltar a sair de casa. Ele decidiu abrir as cortinas da sala, há muito fechadas e colocar o tapete do quarto a arejar. Fez suco de laranja, acertou o açúcar pela primeira vez na vida, vestiu uma calça jeans azul claro, escovou os dentes, fechou a porta cuidadosamente e saiu. Respirou aquele ar de construção constante com certo prazer, o cheiro não chegava até a janela do seu apartamento no sexto andar. Ele se sentia um pouco tonto com o movimento constante ao seu redor, estava no mínimo desacostumado com aquilo tudo. Colocou as duas mãos no bolso e passeou pela cidade, reencontrou velhos conhecidos, matou a saudade da cidade de perto, deu trocados pro João da Praça, conversou alguns minutos com o dono da padaria Santo Antônio cujos doces o haviam acompanhado todo o tempo quando pequeno. Quando o céu começou a dar sinais de cansaço e suas pernas já tinham andado o suficiente para o dia ele voltou ao prédio velho, de paredes azuis e descascadas. Mas antes de chegar ao sexto lance de escadas entrou no corredor do quinto andar, mirou a porta do último apartamento, girou a maçaneta e entrou. A porta se abriu com um rangido longo e ele entrou devagar na sala de estar pouco iluminada. Uma grossa camada de poeira cobria os móveis, o piso e as cortinas. Havia um piano ao lado direito e um tapete verde garrafa sob a pesada mesa de centro. Tudo ali lhe remetia ao passado, aquele que não lembramos direito, aquele que não queremos lembrar por um motivo ou outro. Ele via aquela sala colorida e iluminada, e duas crianças correndo. Ele conseguia ouvir as canções daquele piano e distinguir a figura de uma jovem que as tocava. E toda aquela melodia o aquecia por dentro. Ele podia ver através do tempo e através das lágrimas que trazia aos olhos. Ele as derramou, porque as estava retendo há tanto tempo. E se arrependeu dos momentos em que se privou da saudade, se privou dos sentimentos. E se tornou tão forte e previsível. Tão vulnerável. E agora tão cansado. Já era tarde quando ele saiu de lá, carregado com as fotos antigas de família, com os bibelôs da mesa de centro, e de mais tantas coisas que poderiam consolá-lo naquelas noites que ainda viriam. Quando voltou pro apartamento redistribui tudo para dar espaço aos novos objetos e sentou-se na sacada. Aquele último mês tinha passado relativamente rápido, no que viria ele prometeu a si mesmo que iria mudar um pouco e aos poucos. Iria deixar o passado, mas não as lembranças para trás, iria abandonar a culpa que pesava nos ombros, iria esquecer os dias ruins e colorir os bons. Trouxe um cobertor e dormiu olhando as estrelas, sob o céu de verão do interior. Não foi sobre uma pessoa, mas sobre as conclusões dela. Porque viria ao caso o seu nome, ou seus problemas? Vem ao caso que ele aprendeu e seguiu adiante. E tão pouco disso basta. E eu só sei que nada dele sabia o mundo, nem nada ele do mundo sabia.

28 de outubro de 2004