quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Feche a sua janela

Quando abriu a porta de casa, levou logo a mão aos olhos, tamanha a luminosidade que o sol, mesmo poente, atirava através de cada janela da sala. Jogou a mochila e a chave no sofá, acompanhando os pertences logo depois. Dentro de alguns minutos, o sol se esconderia e a noite traria o frio que os jornais comentavam escandalosamente. Não custava aproveitar a réstia de calor e abrigo. Afinal, o dia havia começado mal. Transcorrera com semelhante má sorte e, embora muitas tarefas o aguardassem, ele era mais do que merecedor da meia hora de luz, esparramado entre as almofadas. Mesmo acordando cedo todo santo dia e dia santo, as sestas da tarde nunca lhe foram muito atraentes. Perdia o humor, ganhava uma eventual dor na lombar. Não valia a pena. Por não ter esse costume, ele não se preocupou ao fechar os olhos. Não dormiria. Nunca dormia fora de hora.

Era pequeno. No máximo cinco ou seis anos. Os primos mais velhos corriam no gramado do clube, pulando o pequeno muro que circundava a área das piscinas. Em pouco tempo estavam todos dentro d'água, atormentando uns aos outros com esguichos na cara e tentativas frustradas de afogamento. Ele assistia a tudo com bastante atenção. Era demasiado atraente para que uma criança apenas assistisse. A diversão era transbordante, uma alegria sem grande fundamento, mas verdadeira em sua essência. Atirou-se junto aos primos, de camiseta e tudo. O mais velho deles conseguiu retirá-lo d'água minutos depois, num turbilhão de mãos infantis que na ânsia de ajudar, acabavam por empurrá-lo mais para o fundo. Com a boca roxa, ele tossia e tremia de frio, a roupa toda encharcada, esperando que alguém voltasse com uma toalha e uma mãe.

Acordou de supetão, encharcado pela chuva que já molhava boa parte da sala. Tremia de frio e não tinha a menor noção de quanto tempo havia se passado. Já não circulavam carros nas ruas, muito menos avistou qualquer transeunte apressado pela tormenta. Fechou a janela com força, tanto pelo vento quanto pela raiva. Como isso teria acontecido? Quantas horas teria perdido? Não tinha jantado ou sequer começado quaisquer dos trabalhos que precisaria entregar no fim da semana.

Daquele dia em diante, ele nutriu profundo ódio por chuvas de verão, janelas abertas, sonhos flashback de infância e, especialmente, cochilos fora de hora.

Fim.

Um comentário:

Letícia de Leon disse...

não seja tão exigente! só te diverte escrevendo! eu achei ótimo!Tô louca pra ler "...a continuação"...